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A prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, imposta nesta segunda-feira, 4, pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, marca o ápice de uma intensificação de tensões entre o Judiciário e o ex-chefe do governo, com consequências que vão além das fronteiras do Brasil. Essa decisão, que trouxe uma série de restrições para Bolsonaro, representa o clímax do confronto entre ele e o STF, conflito que se arrasta desde os últimos anos de sua administração.
A ordem para prisão domiciliar foi justificada pelo alegado desrespeito às medidas cautelares por parte de Bolsonaro, que, desde 18 de julho, está sob uso de tornozeleira eletrônica e é proibido de acessar suas redes sociais ou as de terceiros. A decisão se fundamentou na participação de Bolsonaro, através de videoconferência, nas manifestações deste domingo, dia 3, que contestavam a ação do ministro. Durante o evento no Rio de Janeiro, o senador Flávio Bolsonaro efetuou uma chamada para Jair Bolsonaro, que então cumprimentou a multidão presente. O senador publicou o vídeo no Instagram, mas posteriormente removeu a postagem.
A prisão domiciliar foi determinada em meio a uma investigação que Moraes recentemente abriu contra o deputado Eduardo Bolsonaro, e que foi ampliada para incluir o ex-presidente devido às pressões feitas junto aos Estados Unidos para sancionar Moraes.
Essa deliberação contra Bolsonaro ocorre em um período em que Moraes se encontra no centro de uma crise diplomática. No mês de julho, os Estados Unidos impuseram sanções ao ministro com base na Lei Global Magnitsky, acusando-o de abuso de poder e violação de direitos civis.
A ação contribuiu para aumentar o desgaste institucional do Supremo Tribunal e reforçou o discurso de setores que apontam um avanço do Judiciário brasileiro sobre as liberdades e garantias constitucionais.
Desde que deixou o cargo de presidente, Bolsonaro teve sua inelegibilidade confirmada por uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral, tornou-se alvo de várias investigações e enfrentou diferentes restrições impostas por Moraes — como a apreensão do passaporte, a obrigação do uso de tornozeleira eletrônica, a proibição de entrar em contato com aliados e familiares, além da recente prisão domiciliar. Abaixo, recorde alguns eventos importantes que ajudam a ilustrar a escalada das tensões.
Antes da prisão domiciliar, Moraes determinou o uso de tornozeleira eletrônica
Antes da imposição da prisão domiciliar, em 18 de julho, Bolsonaro já havia sido alvo de uma operação anterior ordenada por Moraes. Nessa data, o ministro do STF determinou que o ex-presidente usasse tornazeleira eletrônica e aplicou outras medidas cautelares, incluindo recolhimento obrigatório nas noites e fins de semana, além da proibição de se aproximar de embaixadas e de diplomatas estrangeiros.
Dias depois, em uma visita à Câmara, o ex-presidente expressou que o uso do dispositivo era a “máxima humilhação”. Ele mostrou o equipamento para jornalistas e fez declarações ao deixar o Legislativo.
“Não roubei o erário, não desvie dinheiro público, não tirei a vida de ninguém, não envolvi ninguém em tráfico. Este é um emblema da profunda humilhação em nosso país. Sou uma pessoa inocente. É covardia o que estão fazendo com um ex-presidente da República. Estamos prontos para enfrentar qualquer desafio. O que é fundamental para mim é a lei divina”, declarou.
Após essa declaração e as postagens nas redes sociais relacionadas à visita aos parlamentares, Moraes ordenou que os advogados do ex-presidente se pronunciassem sobre a alegada violação de medidas cautelares. A defesa foi obrigada a apresentar suas explicações ao tribunal em um prazo de 24 horas, sob pena de prisão “imediata” do ex-chefe de Estado.
Os representantes legais do ex-presidente Jair Bolsonaro responderam às indagações do ministro Alexandre de Moraes e negaram “categoricamente” qualquer infração às restrições impostas. Os advogados pediram ainda que Moraes esclarecesse os “exatos termos da proibição de uso de redes sociais” para que “não haja qualquer mal-entendido”.
Após as explicações, em 24 de julho, Moraes considerou o incidente como um fato isolado e, por esse motivo, decidiu manter a decisão referente às medidas cautelares, embora sob a condição de que poderiam ser convertidas em prisão preventiva, em caso de reincidência.
“Considerando ser uma irregularidade isolada, sem indícios de outros descumprimentos até o presente momento, juntamente com as alegações da Defesa de Jair Messias Bolsonaro da ‘ausência de intenção de cometê-lo, visto que vem respeitando rigorosamente as normas de recolhimento impostas’, deixo de transformar as medidas cautelares em prisão preventiva, alertando o réu, contudo, que se houver nova violação, a conversão será imediata”, afirmou no despacho.
A operação intensificou o conflito entre o STF e Bolsonaro. Além da inelegibilidade, foi esta a operação que investigou um suposto golpe de Estado, aumentando as tensões entre o Supremo e o ex-presidente. Na manhã de 8 de fevereiro de 2024, a Polícia Federal, a pedido do STF, iniciou a Operação Tempus Veritatis para apurar a existência de uma organização criminosa que, supostamente, pretendia derrubar o Estado Democrático de Direito e manter Bolsonaro no cargo após as eleições de 2022.
Foram executados 33 mandados de busca e apreensão, quatro de prisão preventiva e 48 medidas cautelares, que incluíram a detenção de militares de alta patente, ex-ministros e assessores influentes, além da requisição imediata de passaportes e suspensão de cargos públicos autorizadas por Moraes.
O ponto central das investigações, Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, celebrou um acordo de colaboração premiada e forneceu gravações em vídeo e áudio que detalhavam encontros preparatórios – como a reunião de 5 de julho de 2022 entre o ex-presidente e seus ministros. Ao longo dos diversos depoimentos, Cid alterou sua versão dos fatos várias vezes.
Ainda assim, o STF decidiu que Bolsonaro deveria devolver seu passaporte em um prazo máximo de 24 horas, uma ação que também se aplicou a outros envolvidos, prejudicando sua capacidade de viajar internacionalmente e limitando suas interações.
Em março daquele mesmo ano, Moraes permitiu que fossem divulgados depoimentos importantes, incluindo as declarações de Marco Antônio Freire Gomes, general e antigo comandante do Exército, e Carlos Almeida Baptista Junior, ex-comandante da Aeronáutica. Naquele momento, ambos alegaram que Bolsonaro havia pressionado os militares a se juntarem ao suposto plano de golpe.
Em novembro de 2024, a Polícia Federal formalizou o indiciamento de Bolsonaro e de mais 36 pessoas envolvidas no inquérito sobre o golpe, imputando-lhes os crimes de organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e a violência na abolição do Estado Democrático de Direito.
Conflito com STF se intensifica com série de negativas
Neste ano, a tensão entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF) se intensificou devido a uma série de decisões desfavoráveis para a defesa do ex-mandatário. Em janeiro, a equipe jurídica de Bolsonaro pediu ao STF permissão para que ele viajasse a Washington, nos Estados Unidos, com a finalidade de participar da cerimônia de posse de Donald Trump.
O ministro Alexandre de Moraes, que é o relator do caso, negou a solicitação. Ele destacou um concreto risco de fuga, a ausência de um convite formal, pois para ele, havia apenas um e-mail sem validação, e a falta de interesse público na participação do ex-presidente em um evento no exterior.
Essa decisão repercutiu internacionalmente e foi vista como uma demonstração do endurecimento das medidas cautelares aplicadas a Bolsonaro, mostrando que o Supremo não estaria disposto a fazer exceções, nem mesmo em situações diplomáticas de grande relevância.
“Estou chateado. Ainda estou abalado. Enfrento uma severa perseguição política por parte de uma única pessoa. Esta pessoa decide sobre a vida de milhões de brasileiros. Ele é o responsável pelo processo. Ele tem controle sobre tudo”, afirmou Bolsonaro na ocasião, referindo-se a Moraes.
No dia 17 de junho, Moraes novamente rejeitou um pedido da defesa de Bolsonaro, desta vez para anular a delação premiada de Mauro Cid, ex-assessor. Os advogados argumentavam que mensagens atribuídas a Cid indicavam falta de voluntariedade no acordo, mas o ministro considerou o pedido “impertinente” e ressaltou que o momento processual era “absolutamente inadequado” para essa espécie de contestação.
Dois dias depois, em 19 de junho, a pressão sobre Bolsonaro aumentou. Moraes proibiu o ex-presidente de ter qualquer forma de contato — seja direto ou indireto — com seu filho Eduardo Bolsonaro, que reside nos Estados Unidos. Essa decisão foi desencadeada pelo envolvimento de Eduardo com o governo Trump, buscando que Moraes fosse sancionado, resultando em várias restrições, incluindo a suspensão do visto do ministro e, mais recentemente, sua inclusão na lista da Lei Magnitsky. A proibição imposta a Bolsonaro por Moraes abrangeu ainda mensagens, ligações e encontros pessoais.
“Qual punição poderia ser maior do que não poder me comunicar com meu filho? Nem mesmo com a esposa dele posso falar”, lamentou Bolsonaro em uma entrevista à imprensa ao deixar a sede do PL, em Brasília.
Ministros da Primeira Turma do STF mantêm histórico de embates com Bolsonaro
Conflitos passados entre os membros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e Bolsonaro também são considerados fatores que podem complicar a situação legal do ex-mandatário quando o caso do inquérito sobre o suposto golpe de Estado for analisado na Corte.
Em 2020, Flávio Dino e Jair Bolsonaro trocaram ataques em público quando o então governador do Maranhão – atualmente ministro do STF – acusou o ex-presidente de “sabotagem” no enfrentamento da pandemia de Covid-19 e de incitar invasões a hospitais. Em 2023, já como ministro da Justiça no governo Lula, Dino colocou em dúvida ordens dadas por Bolsonaro a membros das Forças Armadas, insinuando que tais ordens poderiam ter levado a “erros ou até crimes”, o que intensificou a desconfiança entre os dois.
Cristiano Zanin, que antes de se tornar ministro do STF era advogado de Lula e do PT, teve um papel fundamental na ação que resultou na inelegibilidade de Bolsonaro devido a uma reunião com embaixadores durante as eleições de 2022.
No documento submetido à Justiça Eleitoral – enquanto ainda atuava como advogado -, Zanin sublinhou que Bolsonaro usou o encontro oficial para espalhar informações falsas e que, depois do evento, o vídeo da reunião ganhou grande divulgação nas redes sociais. A ação, promovida pelo PT e outros partidos, foi crucial para a decisão do TSE que, em 2023, declarou Bolsonaro inelegível por um período de oito anos.
A ministra Cármen Lúcia também teve confrontos com Jair Bolsonaro ao longo de seu governo. Embora a maioria de suas manifestações tenha ocorrido em julgamentos, a magistrada criticou abertamente a administração do ex-presidente, especialmente em questões relacionadas ao meio ambiente e ao processo eleitoral. Em 2022, enquanto avaliava ações ligadas à política ambiental do governo Bolsonaro, Cármen Lúcia destacou uma suposta inação do Executivo no combate ao desmatamento, considerando a postura do governo como “inconstitucional”.
Luiz Fux, que ocupou a presidência do STF de 2020 a 2022, rejeitou em 2021 o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes, alegando que tal pedido representava uma ameaça à autonomia do Judiciário. Durante a campanha de 2022, ele repudiou publicamente as críticas de Bolsonaro às urnas eletrônicas e, após os eventos de 7 de setembro, advertiu que contestar decisões do STF poderia ser considerado um crime de responsabilidade.
Alexandre de Moraes, responsável pelos inquéritos sobre fake news e pela suposta tentativa de golpe, centralizou as restrições judiciais impostas a Bolsonaro, que vão desde a apreensão do passaporte até a imposição de tornozeleira eletrônica e, mais recentemente, a decisão sobre a prisão domiciliar do político do PL. O ex-presidente acusa Moraes de “pesca probatória” e de manipular depoimentos para fins de perseguição política, consolidando-se como seu principal opositor nos embates judiciais.